terça-feira, 30 de abril de 2024

A perspectiva de mundo pelo viés de uma borboleta

As tiras em quadrinhos de Téo & o Mini Mundo, uma criação do desenhista Caetano Cury, tiveram seu início em 2012. Pode-se dizer que, com mais de uma década de publicação, estão suficientemente maduras para serem objeto de interesse dos estudiosos de quadrinhos. De fato, elas apresentam  uma proposta filosófica e provocam diversas reflexões a respeito da humanidade. Seus temas que vão desde o retrato do exterior do “outro” até à inquietude existencial dos sujeitos, os quais combinam com o lugar que ocupam em relação ao mundo onde vivem. Eulália e Téo são as personagens protagonistas e fixas da série, cada um apresentando determinadas características

É sobre essas características, especialmente as da borboleta Eulália, que Maria Heloiza Alves Pereira Santana, mestranda em Estudos da Linguagem na Universidade Estadual de Londrina, se debruça no artigo "O protagonismo de Eulália na construção das tiras em Téo & o Mini Mundo, de Caetano Cury", visando mostrar, por meio da análise descritiva, como o protagonismo da personagem Eulália, uma borboleta a quem são atribuídas características humanas, como falar e pensar, é construído nas trinta primeiras tiras do primeiro volume de Téo & o Mini Mundo: o livro.

A perspectiva de mundo é de grande proeminência na linguagem dos quadrinhos, dizendo muito sobre  os sujeitos à proporção que, com a pós-modernidade, a identidade se fragmentou. Desde a sequência narrativa da tira até contrapondo-se à personagem Téo, o garotinho, através de hipóteses e até mesmo perguntas como respostas, Eulália provoca a própria percepção de Téo, deixando-o reflexivo. As tiras mobilizam abordagens como a relação entre o “eu” e o “outro” e o lugar que os sujeitos ocupam em relação ao mundo em que vivem. Nesse sentido, a autora dedica especial atenção aos movimentos de Eulália que acompanham as falas de Téo e os cenários para a construção dos sentidos para evidenciar os caminhos de inquietude para compreensão do humano. 

O artigo representa mais uma contribuição ao dossiê das 7as Jornadas Internacionais de Histórias em Quadrinhos, evento ocorrido em agosto de 2023, que vem sendo publicado desde o segundo semestre desse ano na revista 9a Arte. Ele está disponível em: O protagonismo de Eulália na construção das tiras em Téo & o Mini Mundo, de Caetano Cury | 9ª Arte (São Paulo) (usp.br).


Prof. Dr. Waldomiro Vergueiro

Medo e identidade em quadrinhos autobiográficos



As histórias em quadrinhos de tom autobiográfico são muito populares hoje em dia. Ainda que não representem uma novidade do meio, pois já na década de 1970 o autor underground estadunidense Harvey Pekar, auxiliado por diversos desenhistas, historiava seu dia-a-dia utilizando a linguagem dos quadrinhos, na série intitulada como American Splendor. Mais recentemente, o inegável sucesso da produção autobiográfica da artista Alison Bechdel foi como que o estopim para o aparecimento de muitas obras de qualidade nesse gênero de quadrinhos.

O álbum autobiográfico Desconstruindo Una é de 2015. Produzido por uma autora britânica (pseudônimo: Una), trata, por meio da narrativa, a combinação de memórias e jornalismo , retratando a violência contra a mulher em uma época conservadora e machista. Assim, a leitura da obra nos desvela um período da vida da personagem Una que foi orientado pelo medo, o qual despertou um doloroso processo de desconstrução identitária

Sobre essa obra versa o artigo de autoria de Angélica Regina Gonçalves Bertolazzi, mestra e doutoranda na Universidade Estadual de Londrina, que tem por objetivo principal verificar se o medo é um fator constituinte da identidade da protagonista da história, visto que essa emoção é evocada pelas memórias de uma vítima de abusos sexuais durante a infância e a adolescência. Para isso, a autora realizou um levantamento bibliográfico que permitiu a construção da fundamentação teórica relativa ao medo, à identidade e à linguagem dos quadrinhos, ao perceber a relevância do medo e a sua metaforização verbo-visual no processo identitário de Una. Pela análise de cunho interpretativista, obteve-se a confirmação do medo como fator substancial na constituição da identidade e a sua ressignificação, a partir do momento que a protagonista decide dar fim ao silêncio e intenciona ser voz para outras vítimas de violência sexual.

Recentemente publicado no dossiê das 7as Jornadas Internacionais de Histórias em Quadrinhos, da revista 9a Arte, o artigo científico "Medo e identidade: o impacto da violência em Desconstruindo Una" pode ser baixado e lido no endereço eletrônico Medo e identidade: o impacto da violência em Desconstruindo Una | 9ª Arte (São Paulo) (usp.br).

Prof. Dr. Waldomiro Vergueiro

Medo e Expressionismo na versão em quadrinhos de O Corvo, de Edgar Allan Poe


O poema O Corvo, do autor romântico estadunidense Edgar Allan Poe, talvez seja um dos mais conhecidos da língua inglesa. Em uma atmosfera sobrenaturalaborda a visita misteriosa de um corvo falante a um homem que lamenta a perda de sua amada e vai enlouquecendo aos poucos. Ele já foi vertido para muitos idiomas, tendo recebido versões em nosso idioma por parte de dois grandes escritores, o brasileiro Machado de Assis e o português Fernando Pessoa. Também foi objeto de adaptações em outra mídias, como a comédia de horror estrelada por Vincent Price, Peter Lorre e Boris Karloff, de 1963. Também as histórias em quadrinhos se interessaram por essa obra poética, com várias versões ao longo dos anos.

O artigo de Alessandra Hypolita Valle Silva Lopes, recentemente publicado na revista 9a Arte, analisa uma dessa versões, a história em quadrinhos O Corvo, lançada pela Editora Diário Macabro, com roteiro e ilustrações de Leander Moura. Segundo a autora, adaptação para os quadrinhos é retratada em um cenário melancólico, perturbador, realçado em preto e branco, inspirado na atmosfera do Expressionismo, resultando em uma cadência assustadora de imagens, cobertas por nuances e sombras. 

A história em quadrinhos permite questionar como as histórias de terror e mistério de Poe, que muitas vezes exploram temas como a morte, a insanidade e a culpa, podem ser analisadas como uma metáfora da linguagem do cinema expressionista. Assim, o artigo aborda como a adaptação da obra de Edgar Allan Poe e o contraste em claro-escuro tornam a atmosfera propícia aos sentimentos de medo por parte do leitor. Para alcançar a análise crítica almejada, utiliza-se o referencial teórico de Sigmund Freud, Linda Hutcheon e Marcel Martin.

Intitulado "O Corvo: as sombras do Expressionismo como atmosfera do medo", o artigo pode ser acessado no dossiê dedicado ao trabalhos apresentados nas 7as Jornadas Internacionais de Histórias em Quadrinhos, realizadas em 2023, no endereço O Corvo: as sombras do Expressionismo como atmosfera do medo | 9ª Arte (São Paulo) (usp.br).

Prof. Dr. Waldomiro Vergueiro

quarta-feira, 10 de abril de 2024

Quadrinhos no Instagram


As chamadas redes sociais têm surgido cada vez mais como espaço privilegiado para a publicação de histórias em quadrinhos. Devido a sua praticidade, baixo custo e disseminação, elas surgem aos olhos de autores e consumidores como uma verdadeira mina onde podem ser encontradas produções quadrinísticas de todos os tipos, gêneros, estilos e motivações. Autores iniciantes encontram nas redes sociais os leitores que antes não conseguiam atingir com seus esforços individuais por meio de fanzines e publicações alternativas. Autores mais experientes e conhecidos podem ter nas redes sociais um ambiente privilegiado para ampliar e sedimentar o seu público, além de nelas encontrar a possibilidade de produzir obras não dependentes de editoras ou empresas comerciais, fugindo da ditadura do mercado. Elas parecem ser "o melhor dos mundos possíveis", como dizia Voltaire

Serão mesmo?

Essa é a pergunta que parece estar subjacente às reflexões de Maiara Alvim de Almeida, pesquisadora do Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ) em seu artigo "O Instagram como suporte para publicação de quadrinhos: vantagens e desvantagens da publicação em uma rede social", recentemente disponibilizado na edição da revista 9a Arte dedicada aos trabalhos apresentados nas 7as Jornadas Internacionais de Histórias em Quadrinhos, realizadas em agosto de 2023.

No artigo, a professora destaca como publicar em uma rede social aparece não apenas como opção, mas muitas vezes como um imperativo para autoras e autores, tendo em vista a visibilidade que o canal, em tese, lhes traria. A possibilidade vem com diversos pontos positivos tanto para autores quanto para leitores, mas vem igualmente seguida de pontos negativos. Com tais reflexões em mente, ela apresenta as possibilidades de publicação na rede social, apontando os pontos positivos e negativos que a opção traz para quadrinistas. 

Trata-se de uma discussão atual e necessária de uma temática importante para todos os envolvidos no campo científico das histórias em quadrinhos, divulgando os resultados de uma pesquisa que vem sendo realizada há mais de quatro anos, contando, inclusive, com apoio de diversas instituições de fomento

O artigo pode ser acessado no endereço O Instagram como suporte para publicação de quadrinhos: vantagens e desvantagens da publicação em uma rede social | 9ª Arte (São Paulo) (usp.br).

Prof. Dr. Waldomiro Vergueiro

Semiótica de história em quadrinhos


A Semiótica vem sendo muito utilizada na análise de histórias em quadrinhos. Pelo menos duas obras com um olhar para os quadrinhos, produzidas por pesquisadores brasileiros de destaque na área estão disponíveis no mercado editorial: Semiótica visual: os percursos do olhar, de Antonio Vicente Pietroforte (Ed. Contexto) e Elementos de semiótica: por uma gramática tensiva do visual, de Carolina Tomasi (Ed. Atlas). Existem também muitos artigos científicos sobre o tema, publicados principalmente em revistas do campo científico dos Estudos de Linguagem.

A revista 9a Arte vem agora somar-se a esses trabalhos com a publicação do artigo de Maria Aparecida Alves da Silva, da Universidade Federal de São Carlos (campus Sorocaba), intitulado "Semiótica de história em quadrinhos: o processo criativo como tradução de uma ecologia de saberes na divulgação científica", recentemente publicado no dossiê dedicado aos trabalhos apresentados nas 7as Jornadas Internacionais de Histórias em Quadrinhos.

No artigo, a autora investiga, por meio da análise semiótica, o processo criativo de estudantes de Ciências Biológicas na produção de história em quadrinhos, configurando uma Ecologia de saberes na divulgação científica. Para atingir esse objetivo, escolhe alguns exemplares de história em quadrinhos produzidas durante as aulas de uma disciplina de um curso de licenciatura em Ciências Biológicas para serem analisados, tendo como referencial analítico a Semiótica Peirceana

Os resultados demonstraram uma mobilização de saberes prévios e outros adquiridos no processo, além de um compartilhamento desses saberes em favor da manutenção do grupo, denotando um conhecimento que é próprio do grupo na produção das histórias em quadrinhos (códigos e símbolos pertencentes a área de Biologia, combinados com a linguagem das história em quadrinhos). 

O artigo está disponível emSemiótica de história em quadrinhos: o processo criativo como tradução de uma ecologia de saberes na divulgação científica | 9ª Arte (São Paulo) (usp.br).

Prof. Dr. Waldomiro Vergueiro

segunda-feira, 1 de abril de 2024

Os paratextos nas histórias em quadrinhos



No segundo artigo do volume 12 da revista 9a Arte, o professor Ricardo Jorge de Lucena Lucas, da Universidade Federal do Ceará, enumera algumas das estratégias paratextuais de obras em quadrinhos que buscam estabelecer algum tipo de relação de referencialidade com a realidade (em termos factuais ou ficcionais). Para atingir tal objetivo, o professor baseia-se nas noções de metacomunicação e enquadramento (Bateson, Watzlawick, Goffman), de metassigno (Volli), de paratexto (Genette), do estatuto do texto ficcional (Searle, Genette) e de signos como instrumento (também) de mentira (Eco, Bougnoux, a partir de Peirce). 

No instigante artigo "Paratextos em quadrinhos factuais: como saber se e quando estamos frente à “realidade”? são analisadas quatro obras em quadrinhos: A arte de Charlie Chan Hock Chye (Sonny Liew, 2015); As mais loucas aventuras de Mickey (Lewis Trondheim e Nicolas Keramidas, 2016); Oleg (Frederik Peeters, 2020); e Guardiões do Louvre (Jiro Taniguchi, 2014). Ao final da análise, constatam-se algumas particularidades do corpus, como a posição editorial da ficha catalográfica.

O artigo está disponível para leitura e download em Paratextos em quadrinhos factuais: como saber se e quando estamos frente à “realidade”? | 9ª Arte (São Paulo) (usp.br).

O volume 12, atual edição da revista 9a Arte, referente ao ano de 2024, encontra-se aberto a constribuições. As normas nesse sentido podem ser encontradas em Submissão | 9ª Arte (São Paulo) (usp.br).

Prof. Dr. Waldomiro Vergueiro




quarta-feira, 20 de março de 2024

Mudanças no público leitor de mangá


Quando eu eu passava de adolescente para jovem, lá nos hoje temporalmente distantes idos da década de 1960, o mundo me parecia mais simples. Talvez eu até estivesse enganado, mas tinha a impressão de que os meninos liam gibis (em geral de super-heróis) e as meninas liam fotonovelas (em geral, histórias românticas). Isso hoje é passado. Na realidade, mesmo aquelas produções culturais produzidas para homens ou para mulheres, especificamente, já não são mais consumidas exclusivamente por esse público específico. Nada impede que as mulheres sintam prazer na leitura, por exemplo, de histórias em quadrinhos produzidas para homens. Ou vice-versa. E é bom que seja assim. Já temos rótulos demais.

Refletindo basicamente sobre essa questão no âmbito da produção de mangás, as autoras Beatriz Corrêa Oscar da Silva, Carolina Alves Magaldi e Laura Rodrigues de Freitas, todas da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) apresentaram nas 7as Jornadas Internacionais de Histórias em Quadrinhos da Escola de Comunicações e Artes da USP, o trabalho "Pra lá de onde o gênero faz a curva: as mudanças no perfil do público leitor de mangás shoujo e shounen". O texto, transformado em artigo científico, foi há poucos dias publicado no dossiê especial da revista 9a Arte.

As autoras almejaram discutir a intrínseca relação entre gênero e mangá, visando compreender as mudanças contemporâneas no perfil do público leitor de shoujo (mangá para mulheres) e shounen (mangá para homens). Para tal, explorararam o histórico do mangá como narrativa e representação dos perfis femininos e masculinos, discutiram os pormenores dos subgêneros shoujo e shounen e analisaram os mangás de maior destaque entre leitores do gênero oposto ao alvo da demografia em questão. Para atingir esses objetivos, partiram de pressupostos da Estética da Recepção de Hans Robert Jauss (1994 [1970]), de forma a problematizar as alterações contemporâneas nos quadrinhos japoneses.

A discussão e as interessantes conclusões a que chegaram as autoras podem ser acessadas no endereço eletrônico Pra lá de onde o gênero faz a curva: as mudanças no perfil do público leitor de mangás shoujo e shounen | 9ª Arte (São Paulo) (usp.br).

Prof. Dr. Waldomiro Vergueiro