quarta-feira, 27 de dezembro de 2023

O vai e vem dos reboots


Na década de 1960, Umberto Eco, em seu ensaio "O mito do Superman", analisou as histórias do Homem de Aço então publicadas e demonstrou que, pelo processo narrativo então predominante nas histórias, o protagonista estava sempre renovado, cada história sendo como que a primeira aventura que vivia nas páginas dos quadrinhos. Uma história não tinha relação com a anterior ou com aquela que a sucedia e, assim, o personagem estava sempre da mesma forma. Não envelhecia, não caminhava para o desgaste.

O raciocínio do pensador italiano era perfeito para a época. No entanto, de lá para cá, muita água correu debaixo da ponte e as histórias de super-heróis se modificaram. O modelo narrativo próximo da soap-opera, inaugurado nos quadrinhos por Stan Lee e sua editora Marvel Comics, em que as histórias e os heróis se correlacionam e formam um universo narrativo, levou os personagens a um processo de envelhecimento e desgaste. Para resolver essa questão surgiram o reboot, "reinício –, para trazer histórias já conhecidas como  uma  nova  criação  para um novo contexto de produção que visa a permanência  cultural  de  um  personagem – ou “universo” de personagens –, e seu valor de mercado enquanto uma marca potencialmente lucrativa".

A definição acima nos é oferecida pelo pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro Robson Santos Costa, no artigo constante do dossiê das 7as. Jornadas Internacionais de Histórias em Quadrinhos, publicado pela revista 9a Arte, o artigo intitula-se "Vamos contar de novo?: gêneros discursivos, adaptação e memória cultural em filmes do Homem-Aranha". Nele, o autor analisa o papel da memória e da memória cultural no processo de adaptação entre e no interior de gêneros discursivos no mercado cinematográfico de super-heróis, enfocando três adaptações do personagem de histórias em quadrinhos Homem-Aranha: Homem-Aranha, de 2002; O Espetacular Homem-Aranha, de 2012 e Homem-Aranha, de volta ao  lar, de 2017.  

Como  referencial  teórico, o autor utiliza Bakhtin (1997) que compreende os gêneros discursivos como um conjunto de enunciados semelhantes; Assmann (2011), Erll (2010) e Heller (2003) para conceituar  a  memória  cultural,  vista  como  uma  construção  oriunda  dos  vestígios  que emanam de obras culturais; Hutcheon (2013), que compreende a adaptação como um processo  que  constrói  algo  novo;  e  Todorov  (2013)  em  sua  ideia  da  tensão  entre diferença  e  repetição  na  elaboração  de  narrativas. Para trabalhar metodologicamente a  ideia  de  construção  de sentidos  por  meio  de fragmentos fílmicos, utiliza Vanoye  e  Goliot-Lété  (2011)

Conclui que a adaptação utiliza a memória como elemento do processo  de  construção  enunciativa,  sendo  fundamental  na  produção  de  obras  da indústria  cultural  e  sua  dinâmica  de  diferença  e  repetição  para  a  produção  de  uma memória cultural.

O artigo está disponível para leitura e download em Vamos contar de novo? | 9ª Arte (São Paulo) (usp.br).

Prof. Dr. Waldomiro Vergueiro

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